quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O PÂNICO EM PÂNICO - Uma visão bem humorada

Pânico em Lisboa (Texto de Mario Prata)

Eram seis e meia da tarde e eu estava no Bingo Belenenses quando comecei a suar frio. Janeiro de 1993. A temperatura lá fora estava perto do zero. Para espanto das bingueiras portuguesas, tirei o casacão, o pulôver, a camisa. Fiquei de camiseta cavada. Meu coração começou a bater muito forte e as minhas mãos suavam frio. Estava pela boa, mas fui ao banheiro passar uma água no rosto. Senti que ia desmaiar. Ou morrer.
Na rua, com o rosto molhado e de camiseta, carregando minhas roupas, consegui entrar no meu carro vomitando na sarjeta. Mas, se você conhece Lisboa, sabe que neste horário o trânsito é o pior do mundo. Enfiei o carro em cima de uma calçada e entrei na primeira farmácia. A mocinha, assustada, olhou para minha cara, eu dizendo que estava morrendo. Pelo olhar pesaroso, ela achou que eu estava drogado e disse que só podia me dar uma pica (injeção) com ordem médica. Me indicou um hospital a duas quadras. E foi me avisando: é particular, o senhor vai ter que pagaire!
Me segurando nas paredes cheguei no pronto socorro do tal hospital particular, entrei direto para um corredor, tinha uma maca, deitei. Chegou uma enfermeira gorda e foi logo avisando que era particular e que eu teria que pagar. Dei meu cartão para ela e o telefone de um casal amigo. E disse pela segunda vez: estou morrendo.
Me levaram para uma sala e me deram uma injeção. A sensação de morte era incrível, inadiável. A enfermeira ficou assustada porque o batimento não abaixava: 180. Chamaram um especialista em coração. Ele ficou mais assustado do que eu. Falou com a enfermeira e ela se aproximou, definitiva:
- Vamos te aplicaire duas picas. Uma no cu (é bunda, em Portugal) e uma sucutânea.
Comecei a rir, é claro. E pensei: pelo menos morro rindo. O batimento não caía. Chega o casal meu amigo. Dou os telefones dos meus parentes no Brasil.
Me levam para a UTI. Ligam milhares de aparelhos em mim. Colhem meu sangue. Exames urgentes. Não deixam o casal entrar na UTI. Médicos discutem em volta de mim. Chegam os resultados dos exames. O médico se aproxima e diz que estão todos normais, apenas faltando um pouco de potássio dentro de mim. Me sugere comer bananas. Até hoje não sei se ele estava me gozando ou não.
Cinco horas depois de entrar no hospital (particular) o batimento volta ao normal. Meia noite. Quero ir embora. Desligar aqueles fios todos. Chamam de novo o médico especialista. Ele não me deixa ir. Tenho que ficar em observação. Ninguém no hospital sabia o que eu tinha. Não, doutor, não há casos de enfarte na família, disse umas dez vezes. A enfermeira, vi ela sussurrar com o médico, desconfiava de alguma droga muito forte. Heroína, coisa mais ou menos comum em Lisboa.
Na minha frente um monitor mostrava o batimento do meu coração. Uma hora eu arrotei e o batimento subiu para 120 e depois voltou a abaixar rapidamente.
Não tendo o que fazer ali, sabendo que não seria daquela vez a minha morte, comecei a pensar bobagem. Se, com o arroto, o batimento subiu para 120, se eu soltar um pum, devo bater o recorde e chegar a 150.
Foi o que fiz. Soltei. Para minha surpresa, não aconteceu absolutamente nada na telinha. Continuou em 80. Mas o cheiro estava muito forte. E a enfermeira gorda, naquele instante inadequado, entrou no minúsculo quarto da UTI. E sentiu. E a minha vergonha fez com que o batimento subisse para 160 em dois segundos. A enfermeira saiu e voltei ao normal.
Quer dizer, mais ou menos ao normal. A partir daquelas picas a minha vida nunca mais seria a mesma. Aquilo se chamava Síndrome do Pânico. Algo que passei a desejar aos piores dos meus inimigos. Até descobrir o que era, em São Paulo, dois meses depois, com o doutor Jair Mari, vivi um inferno particular.
Hoje, dez anos depois, tomando remédio todo dia pela manhã, vou vivendo. Normal. Nunca mais tive nada. Nunca mais levei picas sucutâneas. Nem lá.

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