quarta-feira, 2 de março de 2011

Quando o medo atrapalha o dia-a-dia

As fobias não são um traço de personalidade. E elas trazem inúmeros prejuízos, dos relacionamentos à vida profissional

O favorito ao Oscar 2011 é o filme O Discurso do Rei. A história, verídica, é a do monarca britânico George VI. O monarca sofria de um problema que afetava sensivelmente o exercício de suas atribuições: George VI era gago, o que lhe provocava pavor a cada discurso. Sobretudo diante de um público grande, o pai da rainha Elizabeth II via-se tomado por uma ansiedade crescente. Chegava a emudecer por completo.
Um caso, enfim, daquilo que seria considerado hoje fobia social, uma das três grandes categorias de fobia. Medo exagerado de falar a uma plateia, de conceder uma entrevista, de comer sozinho num shopping ou de preencher um cheque diante de outra pessoa, por exemplo, são características comuns da condição. Os prejuízos podem ser numerosos. Basta pensar no sujeito que necessita conduzir reuniões no trabalho ou expor seminários na faculdade. Há quem desista do emprego, dos estudos, prefira a reclusão.
O psicólogo Gildo Angelotti, diretor-executivo do Instituto de Neurociência e Comportamento de São Paulo, explica que existe uma diferença essencial entre timidez e fobia social. “O tímido, apesar de ser assim, quer participar, interagir. O fóbico, não. Ele se sente ameaçado.”
Fóbicos sociais temem não o outro, mas a avaliação do outro. “Ficam ansiosos, têm sintomas físicos de ansiedade”, observa o psiquiatra Geraldo Possendoro, professor do curso de especialização em medicina comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Dentre sintomas de que ele fala, e que se manifestam nas outras fobias além da social, estão taquicardia, transpiração excessiva, tremor, respiração ofegante.
Fobia vem do termo grego phobos. Quer dizer medo. Na prática, significa terror, um medo exagerado de uma situação, de um objeto, de um animal, de pessoas. Tecnicamente, as fobias são divididas em três tipos: a citada fobia social, a agorafobia (medo de espaços abertos) e as fobias específicas. Estas são as mais comuns. Existem em enorme quantidade: medo de bicho, de altura, de agulha, de sangue, de avião, de dirigir. Ou de palhaço, e quem viu o Big Brother Brasil no último dia 5 acompanhou uma demonstração.

A participante Janaína desesperou-se ao ver um colega fantasiado.


Pois a professora Tiari de Magalhães Gomes Rodriguez Farias, de Piracicaba (SP), preferiu não ver. Ao verificar que a festa do reality tinha gente com maquiagem e motivos circenses, trocou de canal. “O primeiro episódio de que me lembro de ter medo de palhaço foi com cinco anos de idade. Fiquei nervosa, foi bem feio. Meu pai teve de me tirar de casa”, recorda.
Dois anos atrás, quando era coordenadora pedagógica de uma escola de idiomas, Tiari organizou uma excursão para um parque de diversões. Por mais que tivesse necessidade e vontade, se viu obrigada a desistir de acompanhar as turmas. “Os pais estavam confiando em mim e perguntavam ‘Mas por que a coordenadora não vai?’. Tive de explicar ao dono da escola, depois de muita pressão, de relutar bastante. Não foi muito bem visto. Saí prejudicada.”
Tiari não viajou, preocupada em ver se repetirem ocorrências que ela enfrenta sempre que vê um palhaço na rua. Busca abrigo imediatamente. O coração acelera, a mão fica gelada. “Só dá vontade de sair de perto. Se ficar no lugar, vai faltando o ar.” Ao tomar conhecimento do ocorrido no Big Brother, pensou: “Ela [a participante] tem a mesma coisa que eu, não sou tão louca como pensava”.
Medo x Fobia
Não há nada de errado com o medo em si. Trata-se de uma emoção fundamental: nós vingamos como espécie porque sentimos medo. Se ele não existisse, estaríamos sempre nos submetendo a riscos, em circunstâncias que talvez custassem nossa sobrevivência e evolução. Em doses exacerbadas, contudo, ele passa a ser restritivo. É a fobia. Que pode desencadear ataques de ansiedade. Assim acontece com Tiari e assim acontecia com a engenheira Neiva Maria Piloni, de Curitiba (PR).
A sua fobia era de dirigir. Era, porque após um tratamento específico Neiva julga-se apta a conduzir o automóvel. Em 1997, habilitada e com pouca experiência ao volante, ela foi de carro apanhar as filhas na escola. Ao retornar para casa, conheceu a primeira crise. “Não sentia as pernas, os braços, tremia. E veio aquele choro excessivo. Não sabia que isso existia.”
A psicóloga Neuza Corassa, fundadora do CPEM (Centro de Pesquisa e Estudos do Medo) e autora do livro Vença o Medo de Dirigir – Como superar-se e conduzir o volante da própria vida, diz ser habitual a pessoa com fobia de dirigir ter passado de primeira no exame de habilitação. “Mas ela é muito exigente, quer dirigir como alguém que está no trânsito há muito tempo. E então deixa de fazer. É onde o medo cresce, torna-se excessivo. Existe ainda o medo do que os outros vão falar. Vira fobia”, aponta.
A “Síndrome do Carro na Garagem”, expressão criada pela psicóloga, fazia Neiva ter dificuldade na realização de tarefas simples, e ela se sentia “inferiorizada, incapaz”. Uma vez solucionada a questão, conta que o fato passar a dirigir trouxe benefícios de autoestima e profissionais.
Outra fobia comum dentre as específicas, lista Neuza, é a de avião, que, segundo ela, vem se revelando com mais frequência, devido . Mais gente no aeroporto significa mais gente descobrindo a fobia. No que têm contribuição os acidentes aéreos.
O gerente de projetos Fernando Dib, de São Paulo (SP), já sabia o que era fobia de avião – ela vinha desde a infância – quando se deu um sério episódio de ansiedade, em 2006. A aeronave em que ele havia embarcado estava na pista, em movimento, pronta a decolar. Fora de controle, Fernando pediu que o avião parasse. Depois de infrutíferas tentativas da aeromoça na intenção de acalmá-lo, a tripulação reconheceu que o desembarque parecia o mais adequado. “Saí e veio aquela sensação indescritível de derrota, de não conseguir me controlar. E o pessoal do voo em ‘pânico’, sem entender.” Ele deixou bagagem, documentos, dinheiro e chave de casa no avião. Só pegou de volta uma semana adiante, com regresso da então namorada, que seguiu viagem.
Origem e Tratamentos
O psiquiatra Geraldo Possendoro considera que as fobias específicas usualmente têm origem em traumas. Embora nem sempre de infância, é nessa fase da vida que costumam acontecer. A agorafobia (que, no limite, faz o fóbico deixar de sair de casa, com medo de crises), ele avalia, quase sempre está associada a crises de pânico. Já para fobia social o médico entende que as causas são mais difusas. “Pode ser que haja uma vulnerabilidade biológica, pode ser genético. Na minha avaliação, vejo que a maioria dessas pessoas foram muito desqualificadas na infância, em relações de pouco afeto.”
O tratamento das fobias varia, assim como a duração. Especialistas recomendam terapia, por meio da qual o paciente, no seu ritmo próprio e adequado, passa por um processo de enfrentamento. Em certos casos, receitam-se medicamentos. Sempre de acordo com o estabelecimento de um diagnóstico, com critérios técnicos. Se a pessoa tiver, de fato, fobia – se há esquiva de situações, limitação, perdas, um transtorno de ansiedade –, então já não está se falando daquele medo indispensável à vida.
Torna-se algo capaz de fazer alguém pensar (ainda que involuntariamente) em não assumir o trono, como aconteceu com George VI. Ele não se achava capaz, e a fobia social tinha parte nesse sentimento de recusa. A mesma fobia social, cita o psicólogo Gildo Angelotti, que atinge 11% dos brasileiros – mais de 20 milhões de pessoas.



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