domingo, 23 de novembro de 2014

Fobia social e habilidades sociais

O famoso filme “O Discurso do Rei”, trata da história de um rei (George) da Inglaterra que foi obrigado a assumir o trono porque o seu irmão mais velho abdicara o trono. George era gago e apresentava extrema dificuldade para falar em público; todas as vezes que precisava realizar um discurso, o sofrimento dele era muito grande de modo que chegava a emudecer por completo. George sofria do que o DSM - 5 classifica como fobia social. 

Segundo o DSM 5 (APA, 2014), a fobia Social (FS) ou Transtorno de Ansiedade Social (TAS) é caracterizado essencialmente por um medo ou ansiedade acentuados ou intensos de situações sociais nas quais o indivíduo pode ser avaliado pelos outros. Este indivíduo teme que no momento da atuação as pessoas observem a sua ansiedade e seu medo, e o avaliem de uma forma negativa e isso faz com que as situações sociais e de desempenho sejam percebidas como acentuadamente mais difíceis e perturbadoras do que realmente são. As situações sociais são evitadas e quando essas pessoas necessitam se expor, fazem com um grande sofrimento. O comportamento fóbico-evitativo determina um grave prejuízo no funcionamento desta pessoa, seja no trabalho, na escola ou nas relações sociais. 
A fobia social pode ser dividida em um subtipo generalizada em que os temores estão relacionados à maioria das situações sociais e em um subtipo circunscrita ou restrita que é o medo de uma situação pública de desempenho ou de alguma situação de interação social. No filme, o Rei George sofria de fobia social circunscrita, pois seu maior temor era ficar frente a um público. 
O analista do comportamento vai realizar a análise funcional, pois ela permite que o clínico identifique a função de um determinado comportamento e determine a intervenção apropriada para modificar as relações comportamentais envolvidas na queixa. 
Borges et al. (2011) descrevem que o primeiro elemento a ser identificado em uma análise funcional diz respeito às respostas envolvidas na queixa do cliente. Nessa primeira etapa o clínico ainda não está buscando os determinantes do comportamento-alvo, mas apenas descrevendo o que ocorre e como ocorre. Em geral, os problemas relativos a essa parte da contingência são excessos comportamentais ou déficits comportamentais (falta da habilidade social em caso de fobia social, por exemplo). Em seguida, com base no relato verbal do cliente ou comportamentos observados na interação terapêutica, o terapeuta deve levantar hipóteses sobre quais processos comportamentais estão envolvidos nas respostas-alvo que compõe a queixa, que podem ser referentes a condições consequentes e antecedentes. 
Uma análise funcional de um caso de fobia social inclui: Comportamentos – pessoa não apresenta comportamentos esperados de contato social, tem dificuldades de assertividade, é hipersensível a críticas e avaliações, foge e se esquiva de situações sociais. Seus sentimentos e pensamentos são entendidos como comportamentos e não causa de comportamentos. Antecedentes – ser apresentado a outras pessoas, ser criticado, ser observado, falar em público são circunstâncias usuais para o aparecimento de um ou mais dos comportamentos. Consequentes – fuga ou esquiva da situação social ou de desempenho são as principais consequências (Silvares & Meyer, 2000). No caso de George, a gagueira o levava a se esquivar de situações em que precisava se expressar verbalmente. Sentia-se mal ao ser observado pela multidão que o esperava discursar. Naquela época, e ainda hoje, falar em público é uma habilidade muito valorizada. 
Clientes com fobia social se beneficiam de técnicas como treino de habilidades sociais. 
Caballo (2003) afirma que os comportamentos socialmente habilidosos são aqueles que quando emitidos por uma pessoa num contexto interpessoal, envolvendo expressão de sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos, são feitos de modo adequado e com respeito aos demais. Estes comportamentos solucionam problemas imediatos e previnem problemas futuros. Além disso, muitos dos problemas pessoais podem ser consequências de dificuldades em habilidades sociais, as quais são um elo entre o indivíduo e as pessoas que o cercam. Mas se este elo for disfuncional pode não gerar consequências boas o suficiente, sendo incapaz de proporcionar qualidade de vida para o indivíduo.
Portanto as habilidades sociais são diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais. E considera-se que os déficits de habilidades sociais dificultam o funcionamento social da pessoa e sua capacidade adaptativa (Del Prette & Del Prette, 2001). 
As habilidades sociais são divididas em duas categorias, visando principalmente a avaliação dos comportamentos. A primeira categoria é a de habilidade geral, isto é, como fazer e aceitar elogios, fazer pedidos, expressar agrado e desagrado, iniciar conversações, defender os próprios direitos, recusar pedidos, desculpar-se, entre outros. A segunda categoria é caracterizada por elementos constituintes da primeira, como por exemplo, o contato visual, gestos, volume de voz e postura (Caballo, 2003).
Em resumo, este conceito abrange tanto os aspectos descritivos dos comportamentos verbais e não verbais apresentados pelo indivíduo diante das diferentes demandas das situações interpessoais.
Rangé et. al. (2008) apontam que vários estudos associam o déficit em habilidades sociais a transtornos psiquiátricos, sendo a fobia social o transtorno mais comumente associado. Isto se deve ao fato de os fóbicos sociais apresentarem dificuldades relacionadas às interações sociais e, portanto, não possuírem um repertório adequado nesta área. 
Em decorrência disso, uma proposta de tratamento para as pessoas com Fobia Social é o Treinamento em Habilidades Sociais. As habilidades trabalhadas durante o treinamento são: iniciar conversas e contatos interpessoais; cumprimentar; apresentar-se frente a pessoas desconhecidas; fazer e responder a convites; pedir e prestar ajuda; entrar em um grupo e pedir para ser incluído; pedir e fazer favores; dizer coisas positivas sobre os demais; apresentar ideias e opiniões; dar e pedir informações; assertividade; dizer não; expressar sentimentos; dar e receber feedback negativo e positivo (Caballo, 2003). 
Loureiro et al. (2008) afirmam que embora os fóbicos sociais pareçam ter baixo repertório de comportamentos habilidosos socialmente, o que pode ocorrer é um desempenho inadequado de tais habilidades devido à inibição durante estados de alta ansiedade. Neste sentido, é desejável que também sejam desenvolvidas e estimuladas as habilidades de enfrentamento destes indivíduos.
No filme, o rei George busca tratamento para sua dificuldade em falar em público, encontra um terapeuta que o ajuda a superar essa dificuldade. Através de várias técnicas, o medo e ansiedade de George diminuem. Com o treino constante da voz ele se habitua a ouvir sua própria voz, reconhece e identifica as maiores dificuldades e as aprimora com os treinos sugeridos pelo terapeuta. As habilidades necessárias para George conseguir realizar seus discursos são desenvolvidas no decorrer do tratamento e essas habilidades são generalizadas para outras situações de sua vida.






Referências

American Psychiatric Association (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed.) Porto Alegre: Artmed.

Borges, N. B..; Cassas,F. A. (Orgs). (2011). Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 105-109.

Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das Habilidades Sociais. São Paulo: Livraria Santos Editora.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2001).  Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Rio de Janeiro: Vozes.

Loureiro, S. R.; Morais, L. V.; Crippa, J. A. S. (2008). Os prejuízos funcionais de pessoas com transtorno de ansiedade social: uma revisão. Revista de psiquiatria. Rio Grande do Sul, Porto Alegre,  v. 30,  n. 1.

Silvares, E. F. M.; Meyer, S. B. (2000). Análise funcional da fobia social em uma concepção behaviorista radical. Revista Psiquiatria Clínica. (São Paulo); 27(6):329-34, nov.-dez. 2000

Rangé, B.; Levitan, M.; Nardi, A. E. (2008). Habilidades sociais na agorafobia e fobia social. Psicologia: Teoria e Pesquisa,  Brasília ,  v. 24, n. 1.  

domingo, 5 de outubro de 2014

Mindfulness para redução de sintomas de estresse

Recentemente um jornal da cidade de Gramado/RS publicou que o Mindfulness esta sendo aplicado em alunos e como resultados observaram-se significativas mudanças no comportamento desses alunos, como por exemplo aumento da concentração, diminuição da agressividade e principalmente uma considerável redução do estresse. 
O estresse é um tema bastante estudado e estratégias para redução de sintomas de estresse estão sendo investigadas. O Mindfulness é um procedimento novo que vem sendo aplicado ao contexto clínico e bastante utilizado para redução de comportamento respondentes como taquicardia, tremores, sudorese, dores de cabeça, dores abdominais (sintomas mais comuns do estresse). 
Assim como os alunos estão se beneficiando desse procedimento, os professores também poderiam se beneficiar dela e assim exercer sua profissão com menos estresse. 
Exercer a função de professor é uma atividade que exige certo grau de habilidade, preparo e conhecimento atualizado. Frente a estas exigências a profissão de professor é tida como uma das profissões mais estressantes. 
Assim como aprendemos a emitir determinados comportamentos frente a estímulos específicos. O professor em sua profissão aprendeu que para ser bom em sua profissão deve manter o aluno atento e motivado. Ele se vê cercado de cobranças advindas da sociedade, da escola, dos pais de alunos e da própria exigência em se manter atualizado para responder às expectativas e necessidades de seus alunos. Os constantes desafios que o professor enfrenta para dar conta de suas atividades e que muitas vezes não são alcançados provocam sentimentos de impotência, desejo de fugir de tudo, culpa, cansaço, irritabilidade, nervosismo, desgaste físico e mental. Como consequência das pressões internas, das crenças e valores de cada um, encontramos professores mais vulneráveis ao estresse. 
Professores estressados têm alunos estressados e consequentemente aprender torna-se aversivo. Aprender precisa ser algo reforçador, pois professores estressados não consegue elaborar aulas reforçadoras e consequentemente os alunos não se sentem reforçados para se manter em aula, gerando assim comportamentos de desatenção, mal comportamentos, entre outros. Daí a importância dos professores aprenderem a administrarem o estresse, pois assim podem servir como modelos adequados para ensinar aos alunos a administrar o estresse gerado pelas circunstâncias da vida.

Conceito de estresse
O conceito de estresse ou stress tem origem na Física, sendo entendido como o grau de deformidade que uma estrutura sofre quando é submetida a um determinado esforço. A partir desse conceito Selye (1970) define o estresse no homem como um conjunto de reações que o organismo tende a desenvolver ao se deparar com uma nova situação que exige um esforço para a adaptação. Pode-se dizer que o estresse representa uma ruptura no equilíbrio do indivíduo, que diante de uma determinada situação é impelido a mudar, a adapta-se a uma nova realidade, mesmo que ela tenha sido almejada. Essa ruptura no equilíbrio do indivíduo, exigindo dele alguma adaptação pode ser chamada de um estressor.
Os estressores podem ser classificados em estressores “biogênicos” ou externos, que são situações e eventos intrinsecamente estressantes, não dependem da interpretação e atuam automaticamente, como por exemplo, frio, fome, calor, acidentes, doenças, profissão; e estresssores psicossociais ou internos, que é tudo o que faz parte do mundo interno, das cognições de um indivíduo, seu modo de ver o mundo, seu nível de assertividade, suas crenças, seus valores, suas características pessoais, seu padrão de comportamento, suas vulnerabilidade, ansiedade e seu esquema de reação à vida. 
Um estressor externo que esta recebendo atenção dos pesquisadores é o que se refere à profissão da pessoa, denominado de estresse ocupacional. Sabe-se que algumas profissões são mais estressantes do que outras, como por exemplo, a profissão de professor como citado anteriormente. 
Kryacou e Sutchilffe (1978) e Moracco e Mafadalen (1982) citados por Reinhold (1996) definem o estresse dos professores como uma síndrome de respostas de sentimentos negativos, tais como raiva e depressão, geralmente acompanhadas de mudanças fisiológicas e bioquímicas potencialmente patogênicas, resultantes de aspectos do trabalho do professor e mediadas pela percepção de que as exigências profissionais constituem uma ameaça à sua auto-estima ou bem-estar. Esteve (1999) classificou os indicadores de mal-estar dos professores em dois grupos: primário e secundário. No primeiro grupo estão aqueles fatores que incidem diretamente na ação do professor e geram tensões associadas às emoções negativas. Para o autor, o processo de rápidas transformações do contexto social modifica radicalmente o papel do professor, aumentando de forma significativa suas funções e responsabilidades. A comunidade e a família passaram a atribuir à escola e à figura do professor funções que muitas vezes os professores não estão preparados para exercer. No segundo grupo, o dos fatores secundários, o autor destaca a falta de recursos pedagógicos (material didático, edifícios e móveis adequados) e a violência nas instituições escolares. 
No Brasil os trabalhos mais conhecidos para o controle de estresse são os trabalhos de Marilda Lipp. As propostas de trabalho de Lipp enfocam o coping e manejo de estresse que tem como objetivos auxiliar o cliente a desenvolver e programar estratégias para modificar sua interpretação dos eventos estressores, emitir respostas apropriadas às situações estressoras, aprender a conviver com o estressor que não pode ser modificado para assim aumentar a qualidade de vida. 

Conceito de Coping
Coping é um termo da língua inglesa que foi traduzido para o português como estratégias de enfrentamento, sendo compreendido como as habilidades que o indivíduo necessita para lidar e se adaptar as situações de estresse. Numa perspectiva cognitivista, Folkman e Lazarus (1980) propõe um modelo que divide o coping em duas categorias funcionais: coping focalizado no problema e coping focalizado na emoção.
Coping focalizado na emoção é definido como um esforço para regular o estado emocional que é associado ao estresse, ou é o resultado de eventos estressantes. Estes esforços de coping são dirigidos a um nível somático e/ou a um nível de sentimentos, tendo por objetivo alterar o estado emocional do indivíduo. A função destas estratégias é reduzir sensação física desagradável de um estado de estresse. 
Coping focalizado no problema constitui-se em um esforço para atuar na situação que deu origem ao estresse, tentando mudá-la. A função desta estratégia é alterar o problema existente na relação entre a pessoa e o ambiente que está causando a tensão.

Conceito de Mindfulness
Aprender a lidar com emoções é um motivo que leva muitas pessoas a procurarem auxílio da psicologia. Dentro do contexto dessa necessidade, o conceito de mindfulness ganhou destaque nas terapias comportamentais e cognitivas nas últimas duas décadas. 
O mindfulness é muito praticado pelos terapeutas ACT. A ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) faz parte da chamada terceira onda das terapiascomportamentais A ACT oferece uma série de ferramentas clínicas para que se tenha consciência da evitação e também promove a aceitação e tolerância a eventos emocionais aversivos, o que geralmente tira o foco da ação do cliente na busca por seus objetivos. Assim, o intuito seria “aceitar o que não se pode mudar e comprometer-se com o que é possível mudar” (Savoia, Vogel, 2010). 
Juntamente com a ACT, desenvolve-se o conceito de Mindfulness.
Mindfulness é o exercício de estar ativo e consciente do que acontece na própria mente, no corpo e nas experiências de vida. O objetivo é prestar atenção nos pensamentos, permitindo que eles apareçam. Ou seja, não há uma proposta de avaliar o pensamento, se é bom, se é coerente, etc. A proposta é apenas observar, tomar consciência e deixar-se experimentar o que acontece no momento presente. A prática de mindfulness passou a fazer parte da medicina comportamental a partir dos programas de redução de estresse de Kabat-Zinn. Kabat-Zinn se baseou na sua experiência pessoal com a meditação, quando trouxe as práticas budistas para a medicina comportamental. Essa contribuição ocorreu no momento em que surgia, no espectro das terapias cognitivo-comportamentais, um campo teórico e filosófico fértil, pronto para recebê-la. A nova tendência na clínica era favorável a esse encontro com a meditação, porque apresentava aspectos muito semelhantes aos do budismo: ensinava que as sensações e emoções negativas não devem ser combatidas, mas aceitas de um ponto de vista transcendental; valorizava emoções positivas, atitudes de vida de compaixão e um desprendimento dos conteúdos conceituais (Hayes, 1987; Linehan, 1993 apud Vandenberghe & Assunção). 
A prática do mindfulness não tem cunho religioso algum, longe disso, esse tipo de intervenção tem sido bastante estudado cientificamente, e seus benefícios podem ajudar pessoas com os mais elevados níveis de estresse.



Referências

ESTEVE, J. M. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC. 1999.

FOLKMAN, S., & LAZARUS, R. S. An analysis of coping in a middle-aged community sample. Journal of Health and Social Behavior, v. 21, pp. 219-239, 1980.

LIPP, M. E. N. Inventário de sintomas de stress para adulto de Lipp – ISSL. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2000

REINHOLD, H. H. Stress ocupacional do professor. Em M. E. N. Lipp (Org.), Pesquisas sobre stress no Brasil: saúde, ocupações e grupos de risco. Campinas, SP: Papirus. pp. 169-194. 1996.

SAVOIA, M. G., VOGEL, K. Evidências na Terapia Cognitivo Comportamental. Artigo disponibilizado via e-mail pelas autoras

SELYE, H. The evolution of the stress concept: stress and cardiovascular disease. In L. Levi. Society, stress and disease. V.1, pp.299-311. London: Oxford University Press, 1970.

VANDENBERGHE, L.; ASSUNÇÃO, A. B. Concepções de mindfulness em Langer e Kabat-Zinn: um encontro da ciência Ocidental com a espiritualidade Oriental. Contextos Clínicos, v. 2, n. 2, jul/dez. 124-135, 2009.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Bazinga!!! Um autoclítico qualificador

Bazinga??? Isso mesmo, você leu certo. “Bazinga” é uma expressão usada pelo nerd Sheldon Lee Cooper, personagem fictício da série The Big Bang Theory. Sheldon é extremamente inteligente, possui dois doutorados e um mestrado. Mas Sheldon apresenta alguns comportamentos e/ou características que nos sugere ser alguém com Síndrome de Asperger, um transtorno do espectro autista. Algumas características do portador da Síndrome de Asperger são: pouca habilidade social, dificuldades em processar e expressar emoções (este problema leva as outras pessoas ao afastamento, por pensarem que o indivíduo não sente empatia), interpretação literal da linguagem, dificuldade com mudanças em sua rotina e com pessoas desconhecidas ou que não vê há muito tempo e comportamentos estereotipados. 


O personagem fictício tem pouca habilidade social e impõe uma regra de convivência que chama de "strikes": cada vez que alguém faz algo que vai de encontro a suas regras, a pessoa comete um "strike". Ao completar três "strikes", esta pessoa ficará fora de seu grupo social por um ano ou até assistir a uma aula sua sobre as regras de convivência. Sheldon não tem muita empatia para com seus amigos ou namorada (Amy); apresenta alguns comportamentos estereotipados (como piscar os olhos e mexer o canto dos lábios quando é contrariado, principalmente, por seu amigo Leonard); e o lado esquerdo do sofá é dele e ninguém mais pode sentar ali. Sheldon também não compreende sarcasmos ou metáforas. Quando algum de seus amigos usa uma metáfora, ele pára, pensa no que seu amigo falou e o corrige usando termos científicos. 



Quando Sheldon tenta ser irônico ou sarcástico ele se utiliza da expressão “Bazinga”. Por mais diferentes que sejam as contingências, a topografia é sempre a mesma (Bazinga), seguida ou não por uma outra expressão. Se Sheldon está contente ele lança um “Bazingaaa”, se Sheldon está triste ele fala “bazinga”, se Sheldon está com raiva ele fala “Bazinga, punk! Now we're even!” como aconteceu em um dos episódios em que ele é contrariado por Leonard e resolve dar o troco. 

O uso desses diferentes “Bazingas” pode ser visto nos vídeos abaixo.









Skinner (1978) em seu livro Comportamento Verbal categoriza o comportamento verbal em sete operantes verbais primários: tato, mando, ecóico, textual, cópia, ditado e intraverbal; e em um operante verbal secundário, o chamado autoclítico. 


Os comportamentos verbais secundários ou autoclíticos são respostas verbais que não são emitidas isoladamente, mas em conjunto com algum outro operante verbal primário e têm a função de aumentar a precisão da influência de seu comportamento verbal sobre o ouvinte.


Segundo Matos (1991, p. 340)
A palavra autoclítico refere-se à característica do falante de editar a própria verbalização: rearticular, seccionar, articular, organizar sua fala enquanto está falando. Neste sentido, o falante em sua esfera privada, deve ser ouvinte dele mesmo, precisa ouvir suas verbalizações, avaliar as possíveis consequências de cada uma sobre o comportamento do ouvinte, reorganizar sua verbalização e então emitir aquela verbalização que produzirá as consequências mais reforçadoras ou mais efetivas.

Bazinga poderia ser classificado como operante verbal do tipo autoclítico. Sheldon organiza a sua fala de maneira que ele apenas muda a entonação ao usar a expressão “Bazinga”. Essa mudança na entonação nos dá informações sobre o seu estado interno.

Ao analisar mais profundamente esse autoclítico chegamos à conclusão de que é um autoclítico qualificador. O autoclítico qualificador é aquele que qualifica o tato, alterando o seu valor. 

O comportamento do ouvinte pode ser afetado de acordo com o autoclítico qualificador que o falante utilizar. Por exemplo, dizer “Bazinga, I don´t care” é diferente de dizer “BAZINGA, PUNK! NOW WE´RE EVEN”. O ouvinte pode se posicionar de maneiras diferentes na presença de cada uma das afirmações em função do autoclítico emitido pelo falante. 

Howard, Leonard e Raj são ouvintes assíduos dos autoclíticos de Sheldon e a cada bazinga emitida por ele observamos que a reação de seus amigos é diferente.

Provavelmente da próxima vez que for assistir a série você ficará sob controle das verbalizações de Sheldon, principalmente em relação ao BAZINGA!!!!
































Referências 

Matos, M. A. (1991). As categorias formais de comportamento verbal de Skinner. In Matos, M. A.; Souza, D. G.; Gorayeb, R. & Otero, V. R. L. (Orgs.). Anais da XXI Reunião Anual de Psicologia. Ribeirão Preto, SP: SPRP, 333-341. 

Santos, G. M.; Santos, M. R. M.; Cunha, V. M. (2012). Operantes verbais. Em N. B Borges, F. A Cassas (cols.). Clínica Analítico-comportamental: Aspectos Teóricos e Práticos. Porto Alegre: Artmed.

Skinner, B. F. (1978). Comportamento verbal. São Paulo: Cultrix.






.

sábado, 7 de junho de 2014

Você conhece a história do Acompanhamento Terapêutico? A quem se destina este tipo de atendimento?


Em um de meus textos publicado aqui, escrevi sobre o personagem Adrian Monk que sofre com o Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e mencionei que ele tem a ajuda de uma enfermeira, que faz o trabalho de AT (acompanhamento terapêutico). Com esta ajuda Adrian Monk volta à vida. Mas o que é um AT? Como ele surgiu? A quem se destina este tipo de atendimento?



O Acompanhante Terapêutico (AT) é um profissional qualificado para intervir no ambiente do cliente, buscando proporcionar uma melhor qualidade de vida.

O Acompanhamento Terapêutico oferece um atendimento diferenciado, pois trabalha no local em que as contingências se estabelecem, onde o cliente estabelece relações com o meio.

Historicamente o trabalho de AT era voltado somente à área dos transtornos psiquiátricos (Barreto, 1998), mas sabemos que este tipo de atendimento está em constante crescimento e aprimoramento; que seu trabalho diz respeito a um auxílio em tempo real, o AT está com o cliente ali, no seu dia a dia, fazendo as atividades em conjunto (o que significa que o trabalho do AT não é só o de escuta do discurso, é o de fazer), sendo assim o trabalho de AT tem se estendido para outros campos, como deficiência mental, deficiência física, dependentes químicos (álcool e outras drogas), intervenções cirúrgicas e pacientes psiquiátrico.

Com ajuda do AT, o cliente é encorajado a iniciar um contato com o mundo, fazer amigos, participar de atividades sociais. A prática do AT é uma atividade que pode propiciar maior mobilidade, uma aproximação do universo do cliente com o das demais pessoas.
Essa prática pretende oferecer ao indivíduo a possibilidade de transitar por diferentes dimensões da vida, em um movimento de transformação e crescimento.

Como surgiu o AT?
Em meados de 1960, na Europa, iniciava-se um movimento psiquiátrico que visava humanizar os tratamentos de pacientes considerados doentes mentais e que estavam asilados da sociedade. Esse movimento foi marcado por mudanças de paradigma. Passou-se a considerar que o “isolamento” de um paciente em um hospital psiquiátrico seria prejudicial ao seu tratamento, favorecendo assim, a cronicidade dos efeitos impostos pela doença mental (Chaim, 1999).
Alguns psiquiatras da época defendiam que a reinserção social do paciente psiquiátrico seria o propulsor da melhora do indivíduo com sofrimento psíquico. Acreditavam, contrapondo-se a outros movimentos psiquiátricos de sua época, que o ser humano deveria ser considerado em sua totalidade biopsicossocial (Chaim, 1999).
Foi então que em alguns países, em especial na Inglaterra, com Laing e Cooper, e na Itália, com Basaglia, iniciaram-se os trabalhos de desospitalização, com a ajuda de técnicos que se instrumentalizaram para “acompanhar” os pacientes em sua “reintegração social, ou em sua adaptação enquanto indivíduos cidadãos”(Chaim, 1999).
Devido à mudança de paradigma no tratamento de pacientes psiquiátricos na América Latina, especialmente na Argentina em meados de 1970, o psiquiatra, Eduardo Kalina introduziu uma nova modalidade de atendimento em saúde mental: o acompanhamento terapêutico (AT). Inicialmente o profissional que desenvolvia o AT era dominado “amigo qualificado”. O termo amigo deixou de ser usado por não corresponder à amplitude assumida pelo papel do AT (Kalina, 1998).
Assim como na Argentina, esse movimento apareceu no Brasil, por volta da década de 70, percorrendo dois trajetos: primeiro passa por Porto Alegre e chega ao Rio de Janeiro, sendo conduzido por Carmem Dametto. No segundo momento, chega a São Paulo na companhia da psicanalista argentina Beatriz Aguirre, uma das fundadoras do Instituto “A Casa” em 1979 (Barreto, 1998).
Carmem Dametto já trabalhava como auxiliar psiquiátrica na clínica Pinel, em Porto Alegre. Em 1969, é chamada para trabalhar na clínica Vila Pinheiros, no Rio de Janeiro; cria nessa comunidade uma equipe de auxiliares psiquiátrico que posteriormente, tornam-se ATs no Rio de Janeiro.
Mesmo quando ocorreu o fechamento dessas comunidades, os “auxiliares psiquiátricos” como eram chamados no Brasil, ainda eram solicitados por terapeutas e familiares para evitar a internação (Barreto, 1998).
Com a efetivação deste trabalho, o serviço passou a ser chamado de “Acompanhamento psicoterapêutico”.
Barretto (1998) esclarece que essa atividade era exercida por estudantes de psicologia, de ciências sociais e de medicina. Com o passar do tempo, o AT foi se constituindo como um recurso a mais no tratamento de pacientes psicóticos e devido à gravidade dos casos observou-se que as psicoterapias individuais, grupais e tradicionais, além de remédios, não eram suficientes. Como a atividade do AT foi sendo cada vez mais solicitada, houve então uma especialização do profissional, e muitos outros profissionais puderam atuar como acompanhantes.
Ainda hoje um estudante realiza esse auxílio psiquiátrico. Muitas vezes, acompanha o cliente em seu cotidiano desde o seu despertar até a última hora de seu dia. O graduando, não pode decidir quais técnicas utilizar, uma vez que faz parte de uma equipe. No caso de atuar sozinho, suas decisões são subordinadas ao profissional que o contratou (Zamignani, 1999). Por outro lado, o AT, deve ter autonomia para tomar decisões em situações inesperadas, deve estabelecer uma relação empática e um bom vínculo com seu cliente e estar atento para não se colocar no papel de amigo, evitando respostas emocionais que podem ser facilitadas por se tratar de um trabalho no ambiente natural do paciente. Sendo assim, é de suma importância que o AT tenha uma formação acadêmica especializada na área e supervisões frequentes (Vianna & Ignácio, 2006).

A quem se destina esse tipo de atendimento?
O trabalho do AT é uma prática nova no campo da saúde metal. No que se refere aos profissionais da área comportamental, a demanda surge de psiquiatras que procuram esta abordagem voltada ao trabalho de transtornos psiquiátricos (Zamignani, 1997).
Já tive a oportunidade de entrevistar alguns ATs e observei que muitos deles são solicitados para trabalhar com clientes diagnosticados com algum transtorno fóbico. Esses ATs ajudam o cliente, através de uma análise das contingências que mantêm o comportamento “problema”, ajudam a rearranjar essas contingências de maneira que comportamentos incompatíveis sejam reforçados positivamente e naturalmente (evitando o reforçamento negativo e arbitrário). O acompanhante terapêutico pode ser visto então como “um arranjador de contingências de reforço e dispensador de reforço positivo” (Savoia & Sampaio, 2010).
Outros se utilizam de técnicas como exposição, dessensibilização sistemática, treino de respiração e relaxamento. Além disso, é empregada a psicoeducação junto à família, a qual também se beneficia deste tipo de atendimento.
O AT é indicado para qualquer faixa etária, assim como para atender pacientes pré e pós-cirúrgicos, sindrômicos, com desenvolvimento atípico, dependentes químicos, pacientes psiquiátricos, terceira idade, depressivos (pós-parto, luto e separações), pacientes terminais, casos em que o cliente se recusa a frequentar o consultório ou esta frequência é contraindicada (Zamignani, 1997).





Referências 


Barretto, K. D. (1998). Ética e técnicas no acompanhamento terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança. São Paulo, Unimarco.

Chaim, A. (1999). Projeto de acompanhamento terapêutico em grupo - Um breve histórico. Disponível em: http://siteat.net/2002/06/20/denis/ Equipe de acompanhamento terapêutico do 

Hospital Dia “A Casa” (1991). A rua como espaço clínico. São Paulo, Escuta.

Equipe de acompanhamento terapêutico, Instituto “A Casa” (1997). Crise e cidade: acompanhamento terapêutico. São Paulo, EDUC.

Kalina, E. (1998). Tratamento de adolescentes psicóticos. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

Vianna, A. M., & Ignácio, C. V. (2006). Acompanhamento terapêutico. Em: M. G. Savoia (Org.). A Interface entre Psicologia e Psiquiatria – novo conceito em saúde mental. São Paulo: Roca. 

Zamignani, D. R. (1997). O trabalho de acompanhamento terapêutico: a prática de um analista do comportamento. Revista Biociências (Taubaté), vol.3, n(1), pp. 77-90.

Zamignani, D. R. (1999). Qual o lugar do AT numa equipe multidisciplinar? Em: R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.). Sobre comportamento e cognição. Vol. 4, pp. 166-176. Santo André: Arbytes.

Savoia, M. G., & Sampaio, T. P. A. (2010). Técnicas cognitivo-comportamentais: considerações sobre o repertório do AT. Em: I. Londero (Org.) Acompanhamento Terapêutico: Teoria e Técnica na Terapia Comportamental e Cognitivo - comportamental. (pp. 37-49). São Paulo: Santos.

 



 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Aderir ou não aderir? Eis a questão

Recentemente me fizeram a seguinte pergunta: “Como fazer um cliente aderir à terapia e não abandonar o seu terapeuta?” Respondi bem rapidamente dizendo que primeiramente não temos esse poder de manter o cliente conosco, vai depender da motivação desse cliente para ele se manter em terapia. Para que o cliente se sinta motivado a continuar no processo terapêutico devemos estabelecer um relacionamento de escuta não punitiva, permitindo que o cliente se expresse livremente. E em segundo lugar devemos analisar algumas variáveis envolvidas nessa motivação à terapia, que chamarei aqui de comportamentos de adesão. 

Como gosto de estudar, pesquisar e escrever sobre os transtornos de ansiedade, nesse texto não será diferente, escreverei sobre a adesão ao tratamento psicoterápico em pacientes com diagnóstico de transtorno de ansiedade, que foi um tema que desenvolvi em uma das minhas monografias do aprimoramento. 

Começo definindo adesão.

Adesão é definida como um comportamento complexo que inclui não só as características do cliente, mas também do clínico e das estratégias de tratamento utilizadas. Esses comportamentos complexos de acordo com Glasgow, Wilson e McCaul (1985), são chamados de comportamentos de auto-cuidado. Os comportamentos de auto-cuidado podem ser considerados comportamentos operantes, controlados por eventos ambientais. Dessa forma, diferentes contingências de reforçamento controlariam diferentes comportamentos de auto-cuidado. Como por exemplo, tomar medicamentos diariamente poderia ser considerado uma resposta de esquiva de complicações da doença (Sidman, 1953). Seguir uma dieta alimentar poderia ser comportamento controlado por regras (Skinner, 1966). O comportamento é modelado e mantido pelas suas consequências, mas apenas pelas consequências que ocorreram no passado (Skinner, 1991).

Quando falamos em adesão ao tratamento psicoterápico, estamos falando da relação terapeuta-cliente.

A importância de tal relação foi apontada por Guilhardi (1997), que afirmou que em uma sessão de terapia, os dados disponíveis para análise são os relatos do cliente e a relação terapêutica. Kerbauy (1999) complementou afirmando que as variáveis relevantes em clínica são categorias amplas que incluem resistência à mudança, relacionamento terapêutico e interação entre terapeuta e cliente. Há autores que consideram o relacionamento que ocorre em terapia o principal mecanismo de mudança do cliente. Para esses autores a relação terapêutica é uma oportunidade para que o cliente emita comportamentos que lhe têm trazido problemas e, a partir da interação com o terapeuta, aprenda formas mais efetivas de resposta com consequências menos punitivas. (Kohlenberg e Tsai, 2001).

Negligenciar a relação terapêutica pode ser considerada uma das maiores explicações para o fracasso do tratamento (Schindler, Hohenberger-Sieber e Hahlwerg, 1989 in Rangé, 2001). 

Os autores mais consagrados na literatura de terapia comportamental e relação terapêutica são Robert J. Kohlenberg e Mavis Tsai, os quais desenvolveram a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) baseada no conceito de reforçamento em situação clínica e generalização ao ambiente externo. O trabalho é realizado por intermédio da observação e intervenção nos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) que ocorrem na presença do terapeuta. Esses comportamentos são divididos em três tipos: CRB1 refere-se aos problemas do cliente; CRB2, aos progressos do cliente; e CRB3 às interpretações do cliente sobre seu próprio comportamento (Kohlenberg e Tsai, 2001). 

O conceito de aliança terapêutica é visto como um CRB2 por Kohlenberg e Tsai, os quais consideram a aliança um importante componente da relação cliente-terapeuta. Essa aliança gira em torno da habilidade do cliente de se envolver com a auto-observação, facilitando, portanto, outros CRBs (Kohlenberg, e Tsai, 2001). Em outras palavras, o terapeuta deve ser sensível o suficiente para identificar o tipo de relação terapêutica necessitada pelo cliente. É essa sensibilidade e a relação humana de aceitação e interesse que tem função terapêutica.

Outra forma de pensar a relação terapêutica é a considerando positiva quando há semelhança entre os objetivos do terapeuta e do cliente para a terapia. Se ambos dividem metas, significa que haverá colaboração mútua, ampliando a possibilidade de o tratamento ser bem sucedido. Essa definição de boa relação terapêutica deixa implícito algo bastante interessante: a importância da participação do cliente na terapia. O profissional deixa de ser pensado como alguém com conhecimento superior que ajudará alguém com problemas. Ambos passam a ser iguais em uma relação, sendo que um deles tem o objetivo de facilitar as descobertas do outro.

Como eu disse anteriormente, além da relação terapêutica, há outras variáveis envolvidas na adesão ao tratamento. Variáveis como: presença de suporte familiar (apoio da família), aceitação e entendimento de seu transtorno, consciência da necessidade do tratamento, ter compromisso com o tratamento (comparecer às sessões), comunicação adequada por parte do profissional (terapeuta utiliza linguagem acessível), são algumas das variáveis que contribuem para a adesão do cliente ao tratamento. O cliente que recebe explicações claras (psicoeducação) e compreende a base lógica do tratamento tem mais vontade de cooperar, eles gostam mais do profissional que o atende e quanto mais gostarem deste profissional, mais aderentes serão ao plano terapêutico. O relacionamento com a família também constitui uma variável de adesão ou não adesão. Estudos têm demonstrado que baixos níveis de conflitos, altos graus de união e organização, além de uma boa comunicação estão associados a um melhor regime de adesão (Delamater, 2001). 

E como é a adesão ao tratamento em clientes com diagnóstico de transtorno de ansiedade?

Ainda há poucas pesquisas que estudam procedimentos específicos para melhorar a adesão ao tratamento por pacientes com transtorno de ansiedade. Alguns estudos sugerem que as estratégias para garantir a adesão logo no início do tratamento podem ajudar na recuperação do paciente (De Araújo, Ito e Marks, 1996). 

A fobia social é um transtorno psiquiátrico que apresenta diversos fatores relacionados a baixos níveis de adesão (Malerbi, Savoia e Bernik, 2000). Os autores discutem que além dos fatores gerais relacionados à não adesão, há também os relacionados a doenças psiquiátricas e, mais importante, peculiaridades da fobia social como comportamentos de esquiva do contato social poder tornar mais difícil a interação cliente-terapeuta. Com objetivo de apontar e analisar os motivos que levaram clientes com padrões comportamentais característicos de fobia social a desistirem de psicoterapia grupal os autores verificaram que: a) clientes com antecedência de baixa aderência; b) percepção distorcida dos resultados do tratamento e de seu status clínico; c) falta de motivação para o tratamento; e d) a atribuição dos sintomas à personalidade ao invés de encará-los como doença foram preditores de baixa aderência ao tratamento.

No transtorno obsessivo-compulsivo verificou-se que 15% dos clientes desistem da terapia antes da melhora clínica e, os demais apresentam graus variados de adesão (De Araujo et al, 1996). Esses autores chamaram a atenção para o fato de que os clientes que fazem adequadamente a auto exposição e a prevenção de resposta em casa na primeira semana de tratamento são os que apresentam mais progresso quando avaliados sete meses depois e sugeriram que a preparação para o tratamento deveria incluir medidas educativas claras e detalhadas sobre as tarefas de casa. Salientaram também a importância de se informar ao cliente que a terapia de exposição pode melhorar os sintomas mais severos.

Clientes com transtorno de pânico devem receber tratamento psicofarmacológico e/ou psicológico. Os tratamentos mais utilizados englobam o uso de medicamentos, terapia comportamental, exercício de exposição, antidepressivo combinado com exposição ou terapia comportamental combinado com exposição, sendo que cerca de 20% dos clientes que recebem algum tipo de tratamento para o transtorno do pânico desistem do tratamento e uma porcentagem ainda maior demonstram baixa adesão (Van Balkom, Bakker, Spinhoven, Blaauw, Smeenk e Ruesink, 1997). 

Santin, Cerezer e Rosa (2005) realizaram uma revisão de literatura, a respeito da adesão ao tratamento do transtorno bipolar considerando que a má adesão seria uma das principais dificuldades encontradas em relação ao tratamento destes clientes. As autoras identificaram que as taxas de não adesão eram altas em transtorno bipolar, representando 47% em alguma fase do tratamento ou 52% durante um período de dois anos, e que fatores ligados ao cliente, aos medicamentos e aos médicos poderiam ser responsáveis pela baixa adesão. Propuseram, como uma das medidas para melhorar a adesão dos clientes bipolares, identificar as atitudes que os fazem interromper o tratamento e discuti-las com o cliente nas consultas, promovendo informação e conhecimento sobre o transtorno e o tratamento.

O tratamento dos transtornos de ansiedade é um processo dinâmico no qual os sujeitos estão em contato com uma variedade de fatores que influenciam sua continuidade ou a descontinuidade, facilitar a adesão e aderir ao tratamento não são tarefas fáceis; são desafios que sofrem oscilações e demandam atenção contínua. Dessa forma adesão depende da provisão de métodos, ferramentas e incentivos específicos e especialmente do grau de envolvimento do cliente e do profissional no tratamento. 

Adesão ao tratamento também inclui fatores terapêuticos e educativos relacionados aos clientes, envolvendo aspectos ligados ao reconhecimento e à aceitação de suas condições de saúde, a uma adaptação ativa a estas condições, à identificação de fatores de risco no estilo de vida, ao cultivo de hábitos e atitudes promotores de qualidade de vida e ao desenvolvimento da consciência para o autocuidado.


Referências
  
Delamater, A. M. (2001). Improving patient adherence. Clinical Diabetes. 24 (2): 71-77.  

De Araujo, L. A.; Ito, L. M. E Marks, I. M. (1996). Early compliance and other factors   predicting outcome of exposure for obsessive-compulsive disorder. British journal of   Psychiatry, 169, 747-752.

Guilhardi H. J. (1997). Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica? In R. A. Banaco (Org.), Sobre o Comportamento e Cognição: Aspectos Teóricos, Metodológicos e de Formação em Analise do Comportamento e da Terapia Cognitivo-Comportamental. Santo André, SP: ARBytes Editora.

Glasgow, R. E.; Wilson, W E McCaul, K. D. (1985). Regimen Adherence: A Problematic Construct in Diabetes Research. Diabetes Care, 8, (3), 300-301.

Kerbauy, R. R. (1999) Pesquisa em terapia comportamental: Problemas e soluções. Em Kerbauy, R. R., e Wielenska, R. C. (Orgs). Sobre Comportamento e Cognição: Psicologia Comportamental e Cognitiva da reflexão teórica a diversidade na aplicação. Vol 4, 1ª ed., pp. 61 68. Santo André, SP: ARBytes Editora.

Kohlenberg, R. J. E Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas e curativas. Tradução Organizada por R. R. Kerbauy. Santo André: ESETEc, Editores Associados.

Malerbi, F. K; Savoia, M. G; Bernik, M. A. (2000). Aderência ao tratamento em fóbicos sociais: um estudo qualitativo. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva 2(2): 147-155.

Malerbi, F. E. K. (2000). Adesão ao tratamento. In R. R. Kerbauy (org.). Sobre Comportamento e Cognição 5. Santo André: ARBytes Editora.

Santin, A.; Cereser K.; Rosa A. (2005). Adesão ao tratamento no transtorno bipolar.   Revista Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 32, p.105-109, suplemento 1.

Sidman, M. (1953). Avoidance conditioning with brief shock and no exteroceptive warning signal. Science. Aug 7;118(3058):157–158.

Shinohara, H. (2000). Relação terapêutica: o que sabemos sobre ela? In R. R. Kerbauy (org.). Sobre Comportamento e Cognição 5. Santo André: ARBytes Editora.

Skinner, B. F. (1966). The behavior of organisms: An experimental analysis. New York: Appleton-Century.

Skinner, B. F. (1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas:
Papirus. Cap.3. Publicação original 1989.
Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Van Balkmon, A. J. L. M., Bakker, A., Spinhoven, P. H., Blaauw, B. M. J. W., Smeenk, S., & Ruesink, B. (1997). A meta-analysis of the treatment of panic
disorder with or without agoraphobia: A comparison of psychopharmacological, cognitive-behavioral, and combination treatments. The journal pf nervous and mental disease, 185, 510-516.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Redução da esquiva experiencial e produção de novos repertórios comportamentais em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo - novas propostas de intervenções clínicas.

Confesso que sou fã de várias séries de TV e inúmeras vezes me pego fazendo análises funcionais de alguns personagens, entre as séries que gosto de assistir está “Monk - um detetive diferente”. 
O personagem que dá nome à série, Adrian Monk cresceu com Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), incluindo uma série de tiques e fobias. 
Na série conseguimos identificar que os sintomas de Monk pioraram após um evento traumático. 
Monk era um detetive brilhante de homicídios, trabalhava para o Departamento de Polícia de São Francisco, até que sua esposa Trudy morreu numa explosão de carro ao sair para comprar um remédio para o irmão de Monk. Ao saber do acidente e não conseguir encontrar quem matou sua esposa, Monk sofreu um colapso nervoso e a partir desse evento, suas fobias (por germes, altura, multidão) se agravaram e interferiram de modo significativo em sua vida ao ponto de precisar ser afastado do trabalho. Monk se isolou, recusando sair de sua casa por três anos. Com a ajuda de uma enfermeira, que faz o trabalho de AT (acompanhamento terapêutico) Monk volta aos poucos à vida. Torna-se consultor particular para a polícia em casos muito difíceis. No trabalho Monk utiliza várias técnicas para solucionar cada caso e suas técnicas são vista como esquesitices de um portador de TOC, deixando alguns de seus colegas de trabalho irritados. Apesar da irritação que seu comportamento provoca, Monk é respeitado, pois sua habilidade de observação e sua atenção obsessiva permitem que ele perceba coisas minúsculas, e faça as conexões necessárias que ninguém mais faz em uma investigação.


O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é um transtorno descrito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) como pertencente aos transtornos de ansiedade. As principais características desse transtorno são obsessões e/ou compulsões persistentes que fazem com que a pessoa perca tempo, sofra ou tenha sua vida prejudicada por causa delas. Muitos pesquisadores estão estudando as causas do TOC, mas ainda não conseguiram esclarecer suas verdadeiras causas. Acredita-se que ela seja decorrente da combinação entre fatores hereditários ou genéticos (genes que conferem maiores chances a certas pessoas de desenvolverem o problema) e ambientais, como evolução da gravidez, condições do parto, infecções, acontecimentos da vida e fatores psicológicos, entre outros (Shavitt, Bravo, Baltieri & Miguel, 2001). No caso de Monk o desencadeante do transtorno foi um evento ambiental (a morte de sua esposa - acontecimentos da vida). 
O analista do comportamento leva em consideração os fatores citados acima e, além disso, busca entender o porquê aquele comportamento está sendo mantido e que consequências traz para o seu cliente; isso é feito por meio da análise funcional. A análise funcional permite ao analista do comportamento identificar a função de um determinado comportamento. De acordo com Matos (1999) fazer análise funcional é: 1 – identificar a função, ou seja, o valor de sobrevivência de determinado comportamento, 2 – entender porque determinado comportamento está sendo selecionado e mantido e 3 – verificar as consequências que certos comportamentos produzem. No caso do TOC os pensamentos e rituais compulsivos têm (em geral) a função de reforçamento negativo. Na presença de um evento ameaçador ou incômodo, o indivíduo emite uma resposta (aberta ou encoberta) que elimina, ameniza ou adia esse evento. Por exemplo, uma pessoa com obsessões de sujeira e contaminação pode evitar dar a mão às pessoas ao cumprimentá-las (comportamento de esquiva), ou quando as cumprimentam imediatamente dão um jeito de lavar as mãos ou usam álcool gel para higienizá-las (comportamento de fuga). As respostas envolvidas nesse processo podem ser classificadas topograficamente como respostas de evitação e/ou eliminação do estímulo temido (Banaco & Zamignani, 2005).
A intervenção proposta para o tratamento do TOC é a exposição com prevenção de respostas, onde o cliente é exposto a uma situação ansiogênica e pede-se que ele abstenha-se de realizar qualquer ritualização (bloqueio de esquiva). Essas estratégias têm-se mostrado bastante eficazes em alguns casos, no entanto em casos de clientes com TOC pode se tornar um procedimento extremamente aversivo. 
Novas propostas de intervenções terapêuticas estão sendo utilizadas como alternativa para o tratamento do comportamento de esquiva, promovendo assim um comportamento de enfrentamento e aceitação. Entre as novas propostas estão a Psicoterapia Analítico-Funcional (FAP) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). 
A FAP utiliza a relação terapêutica como o principal meio para modificar comportamentos clinicamente relevantes do cliente. De acordo com Kohlenberg e Tsai (1991), o cliente se comporta em relação ao terapeuta semelhantemente ao modo como se comporta com outras pessoas significativas em sua vida. O trabalho na FAP é realizado por intermédio da observação e intervenção nos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) que ocorrem na presença do terapeuta. Esses comportamentos são divididos em três tipos: CRB1, CRB2 e CRB3. O CRB1 se refere aos comportamentos “problemas” do cliente que ocorrem nas sessões. O CRB2 são os comportamentos de baixa ocorrência no início da terapia e que serão alvos de reforçamento por caracterizar progressos comportamentais que ocorreram ao longo das sessões psicoterápicas, envolvendo um repertório mais assertivo. O CRB3 refere-se à fala dos clientes sobre seu próprio comportamento e o que parece causá-lo; é uma análise funcional por parte do cliente das variáveis que controlam seu comportamento dentro da relação terapêutica.
No caso de clientes com diagnóstico de TOC o CRB1 são tipicamente comportamentos de esquivas. No decorrer do processo terapêutico o CRB1 deve diminuir de frequência e CRB2 e CRB3 devem aumentar de frequência e para que isso ocorra é fundamental que o terapeuta se mantenha como uma audiência não-punitiva. Na FAP, as técnicas são dispostas sob a forma de regras. Ao contrário do significado ameaçador ou rígido que é associado ao uso comum do termo, é proposto que essas regras sejam compreendidas segundo o conceito skinneriano de comportamento verbal (Skinner, 1957, p. 339), depois elaborado por Zettle e Hayes (1982). Neste contexto, as 5 regras da FAP são sugestões para o comportamento do terapeuta, as quais resultam em efeitos reforçadores para o terapeuta. Regra 1: observar atentamente o comportamento que ocorre na sessão para intervir no momento certo; Regra 2: criar condições para evocar os comportamentos-problema e as oportunidades de aprendizagem (criar condições para desenvolvimento de CRB2); Regra 3: reforçar os progressos do cliente quando ocorrem em sessão (reforçar positivamente CRB2); Regra 4: observar os efeitos potencialmente reforçadores do comportamento do terapeuta em relação aos CRBs do cliente; Regra 5: fornecer ao cliente interpretações de variáveis que afetam o seu comportamento, ou seja, dar modelos de análises funcionais que levem o cliente à aprendizagem e ao autoconhecimento. 
A ACT, sigla para Acceptance & Commitment Therapy (Terapia da Aceitação e Compromisso) é uma psicoterapia criada por Hayes e seus colaboradores em 1987, baseada na teoria dos quadros relacionais (RFT). A teoria dos quadros relacionais (Relational Frame Theory - RFT) é uma abordagem analítico-comportamental para a linguagem humana e a cognição. A RFT explica como o comportamento simbólico funciona, como as pessoas agem não a partir de um estímulo, mas a partir de relações entre estímulos. 
O principal objetivo da ACT é enfraquecer o sistema verbal/linguístico em que os quadros relacionais foram formados promovendo assim uma flexibilidade psicológica (aceitação – aceitar os eventos privados desagradáveis e concentrar as ações do cliente a serviço de uma vida mais significativa), fazer o cliente enfrentar seus pensamentos, emoções e lembranças que o cliente tenta evitar por estarem associados com o sofrimento e educá-lo para a busca de reforçadores alternativos (escolha e engajamento em novos comportamentos; compromisso com a mudança). 
Como mencionado anteriormente o comportamento de esquiva é bastante frequente em clientes com TOC, pois quando o cliente identifica estímulos que desencadeiam suas obsessões e ansiedade ele passa a evitá-los ativamente (Lotufo-Neto, et al. 1997). A ACT promove a observação e aceitação desses eventos, pois tentar controlar ou evitar esses conteúdos (fuga/esquiva) é o problema e não a solução; quanto mais o cliente tenta fugir ou exercer o controle sobre os eventos privados, menos controle ele tem sobre suas vidas. Portanto quando o cliente deixa de lutar contra seus próprios pensamentos, avaliações e sentimento ele passa a se comportar de maneira produtiva sobre seu ambiente. Para que o cliente passe a se comportar de maneira produtiva sobre seu ambiente, o terapeuta utiliza alguns exercícios, metáforas e paradoxos durante as sessões. Segundo Saban (2011) as metáforas têm um caráter menos específico e, por isso o cliente tem maior dificuldade de vê-las como uma regra. Elas não têm uma lógica racional, pois são mais como uma imagem, além de serem mais fáceis de lembrar e de aplicar a outras situações. Ainda de acordo com Saban (2011) o paradoxo inerente é uma contradição entre propriedades literais e funcionais de um evento verbal. Trata-se de uma construção verbal sobre eventos parcialmente verbais e não-verbais que evidenciam a diferença de qualidade entre eles. E por fim os exercícios proporcionam uma experiência com eventos privados em um ambiente seguro e sem julgamento, o que promove uma mudança de contexto destes, enfraquecendo seus valores aversivos.
A FAP se ajusta muito bem a clientes que não obtiveram uma melhora adequada com as terapias comportamentais convencionais e àqueles que têm dificuldades em estabelecer relações de intimidade e/ou têm problemas interpessoais difusos (Kohlenberg e Tsai, 1991). 
A ACT, por sua vez, leva o cliente a analisar as tentativas frustradas de resolver seus problemas por meio de metáforas e exercícios. As metáforas são uma característica marcante da ACT e são úteis por serem menos diretas, não são vistas pelo cliente apenas como um conjunto de regras a seguir e então o levam à reflexão (Saban, 2011).
Será que Monk se beneficiaria dessas intervenções? Penso que sim, uma vez que elas possibilitam a redução da esquiva experiencial e novos repertórios comportamentais poderão ser produzidos.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...