O termo “personalidade” pode ser definido como a totalidade dos traços emocionais e comportamentais que caracterizam o indivíduo na vida cotidiana. É relativamente estável e previsível. Quando tais traços apresentam um padrão mal adaptativo, inflexível e que causa prejuízos ao sujeito ou aos que o cercam, falamos de um Transtorno da Personalidade (Kaplan & Saddock, 1997).
Desde a década de 80 tais transtornos tem recebido atenção significativa das comunidades científica e leiga e sendo assim, esse diagnóstico foi se popularizando. Segundo Cloninger (1993), em seu brilhante modelo psicobiológico para o estudo da personalidade, há inclusive razões sociais para isso. Na virada para o século XX, Freud se deparou particularmente com os esforços feitos pelos seus pacientes para expressar seus impulsos considerados então “imorais”, por exemplo, impulsos sexuais ou agressivos. Quando tais impulsos não tinham destino satisfatório para a psiquê, emergiam os sintomas neuróticos, muito relacionado ao recalque e à repressão. Daí os quadros mais comuns por ele estudados, como a histeria, sintomas obsessivos e ansiosos.
Atualmente, aspectos agressivos e sexuais são mais amplamente expressados e socialmente aceitos. Transmutados pela cultura, hoje ninguém mais estranha termos como competitividade, empoderar, dominante, homossexual, transar e ficar, por exemplo. Dessa maneira, questões mais relacionadas à identidade que à moralidade são mais pertinentes e revestem a atual “psicopatologia da vida cotidiana” (Cloninger, 1993). São mais frequentes hoje casos de pacientes que sentem raiva ao invés de ansiedade, que são ambivalentes ao invés de inibidos e que estão às voltas com o significado e não com a culpa em suas atitudes.
Tais pacientes, quando preenchem critérios clínicos dentro da classificação psiquiátrica, constituem a maioria dos pacientes com Transtornos de Personalidade (TP).
Dentro desses Transtornos, um grupo bem definido de pacientes é o grupo portador do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Tais pacientes apresentam um padrão comportamental de instabilidade afetiva e interpessoal, grande impulsividade, tendência a evitar o abandono (real ou imaginário), episódios de automutilação, sensação de vazio crônico, expressão inapropriada da raiva e a falta de um senso de identidade consistente (DSM IV-TR, 2004).
Na maioria das vezes, esse diagnóstico é feito em pacientes do sexo feminino (2♀: 1♂), em idade adulta, e que já foram assistidas previamente em Saúde Mental em consequência do abuso de substâncias, tentativas de suicídio, transtornos alimentares ou oscilações de humor. A prevalência desse TP é de 0,7 a 1,8% na população geral e de até 25% na população psiquiátrica. (Paris, 2008)
Nesses pacientes há, caracteristicamente, a oscilação da aparente normalidade para uma crise aguda com manifestações intensas tais como tentativas de suicídio, automutilação ou agressividade em relação a outras pessoas. Há também grande dificuldade de definir projetos e preferências pessoais que resulta em um grande sentimento de vazio, e ainda a tendência a adotar um comportamento explosivo, especialmente quando os atos impulsivos são confrontados (Taborda e cols, 2004).
Muito importante também é ressaltar que tais pacientes, não possuindo um senso consistente de identidade, tendem a fundir-se e confundir-se com as pessoas próximas, podendo fazer de tudo para evitar o abandono e desenvolvendo, portanto relações interpessoais bastante intensas e problemáticas (Taborda, 2004 e Kernberg, 1995). A equipe de saúde, obviamente, não escapa desse padrão de relacionamento e precisa estar bem preparada para lidar com ele.
Apesar da gravidade, o TPB tem tratamento e é muito importante que o paciente procure ajuda, pois está mais suscetível a desenvolver outros quadros psiquiátricos, tais como depressão, transtornos ansiosos e dependência química. Além disso, a dificuldade de relacionamento interpessoal dificulta e muito a vida desses pacientes, que não conseguem na maioria das vezes estabilidade profissional ou afetiva e tem sua funcionalidade muito reduzida.
O tratamento do TPB compreende sempre a combinação de medicação com psicoterapia e um olhar muito atento da equipe. Os profissionais que cuidam desses pacientes devem estabelecer condições que viabilizem o tratamento, dar limites claros e objetivos para que o acompanhamento flua e otimizar a aliança médico-paciente.
Texto escrito por Dra. Ana Carolina Barcelos Cavalcante Vieira (Médica Psiquiatra). O texto original pode ser lido clicando aqui .
Excelente, Fabi!!!
ResponderExcluirAbraço,
Thais(da comu TCC)
Obrigada Thais (da comu TCC).
ResponderExcluirAbços