Zelig - O tímido
Entre a possibilidade de ser rejeitado e a solidão, não há dúvida: o paciente com transtorno de personalidade esquiva prefere ficar sozinho, mesmo que isso signifique ainda mais tristeza e ansiedade.
Ele era um cara tão tímido, mas tão tímido e ansiava tanto, mas tanto pela aprovação das pessoas que acabava se transformando nelas. Era um camaleão humano, como ficou conhecido entre os fãs do cineasta americano Woody Allen, que criou personagem mais tímido de todos os tempos: Zelig. Segundo o manual de psicologia de Michel Hersen, professor da Universidade do Pacífico, EUA, Zelig teria transtorno de personalidade esquiva - se não fosse uma ficção.
No filme, Zelig acaba conhecendo uma psiquiatra, que tenta ajudá-lo. Durante sessões de terapia com ajuda de hipnose, a doutora Fletcher descobre que Zelig tem a autoestima tão baixa e sente uma necessidade tão brutal de ser aceito e de não ser criticado por ser quem realmente é que acaba moldando seu corpo e personalidade de acordo com quem o cerca. Numa mesma festa, Zelig conversa com aristocratas numa roda e assume seu sotaque, suas roupas, suas opiniões, para logo, na cozinha, estar entre os empregados, falando mal dos aristocratas, num sotaque diferente. Na presença de obesos, Zelig, fica obeso também. E mesmo entre nazistas, Zelig, personagem judeu interpretado pelo judeu Woody Allen, acaba parecendo com um discípulo de Hitler. Claro, é uma premissa fantástica e irreal, que brinca com o realismo para criar humor, mas que serve de paródia para um transtorno sério, que atinge entre 0,5 e 1% das pessoas em geral.
Quer ver um esquivo sair correndo? Peça então para ele assumir um papel em público, para liderar um projeto, para fazer um discurso. Ele é um tímido incondicional, um cara que sofre de uma verdadeira fobia social. Assim acabará evitando atividades, mesmo empregos, em que tenha de ter muito contato interpessoal. Ainda que receba uma promoção com salário bem maior, ele preferirá posições abaixo de suas capacidades para não se expor à desaprovação alheia.
O esquivo parece o cara desinteressado nos outros, que dificilmente faz novos amigos. Isso porque ele só se envolve com quem já conhece e, mesmo com amigos, nunca se abre. As críticas são seu verdadeiro calvário. Sente-se inadequado em eventos sociais, já que vê a si mesmo como um desengonçado, um indivíduo sem atrativos pessoais, um perdedor. É o cara que sempre pula fora de novos projetos só para não passar vergonha. Acabam "desaparecendo". Daí a grande sacada de Woody Allen. Zelig resolve "inconscientemente" sua intensa fobia social tornando-se invisível, ao assumir a personalidade das outras pessoas.
O que ele pensa: "Eu posso me machucar."
Fonte: Superinteressante - edição especial Mistérios da mente
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